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Carta do Gestor de Investimentos – maio/2020

Carta do Gestor de Investimentos – maio/2020

Desde a publicação da última Carta, passaram-se dois meses, o que certamente caracteriza um interregno maior que o praticado usualmente pela Gerência de Investimentos do Serpros. Se, a este intervalo de tempo, fosse acrescida uma quinzena, ter-se-ia delimitado o período de vigência da quarentena no Brasil devido à pandemia de Covid-19. Com este pano de fundo, a resposta trivial à grande parte das perguntas que precisam ser objeto de reflexão atual, para orientar a gestão dos ativos garantidores dos Planos de Benefícios, passa pela excepcionalidade do momento histórico.

 

Por um lado, essa realidade inesperada e improvável explica facilmente a necessidade de tempo para que se elaborasse alguma compreensão das transformações socioeconômicas ora em curso. Por outro, a ausência de precedentes comparáveis compromete o grau de confiança em torno das projeções que alicerçam o cenário macroeconômico, de onde saem as diretrizes para o investimento.

 

Não obstante, ao longo deste interregno, maior que o esperado, outros eventos imprevistos e improváveis também se materializaram. Com isso, é quase impossível não comentar o dia 20 de abril, quando a cotação do barril do petróleo ficou negativa pela primeira vez na história.

 

Para entender melhor o ocorrido, pode-se pensar que, pelo lado da oferta, houve descoordenação e guerra comercial, logo cortes na produção não foram apoiados. Enquanto isso, pelo lado da demanda, é evidente a interrupção do consumo de combustíveis dada a parada súbita na mobilidade urbana.

 

E, finalmente, era véspera de vencimento de contratos futuros de petróleo, negociados na Bolsa de Valores de Nova Iorque. Uma particularidade destes derivativos é que a liquidação dos títulos prevê entrega física da mercadoria em local específico, no caso, nos tanques de reserva em Cushing, cidade no Texas. Naquela fatídica data, investidores na ponta comprada dos futuros do petróleo WTI (West Texas Intermediate) perceberam que não havia disponibilidade de locais físicos para locação, que viabilizassem o encerramento dos contratos com a devida entrega física e, por isso, passaram a pagar para se verem livres da obrigação de recebimento da commodity, que é o significado do preço negativo.

 

Passado o susto, os mercados foram agraciados com perspectivas promissoras em relação às pesquisas pela vacina contra a Covid-19 e a gradual reabertura de economias, como a da própria China ou Europeias, sem maiores indícios de uma segunda onda de contaminações. Além disso, as autoridades monetárias proveram liquidez também de modo sem precedentes!

 

Antes de passarmos à realidade doméstica, é interessante reforçar o que foi dito na última Carta em relação à imperiosa necessidade de monitoramento dos mercados, feito à base de disciplina e empenho. Adicionalmente, salvaguardando todo respeito e merecido reconhecimento aos profissionais de saúde, que se arriscam nas linhas de frente desta guerra em benefício de terceiros, é inegável que a compilação e a interpretação dos dados relativos à nova doença são difusas e confusas.

 

Neste sentido, a escola austríaca tem muito a ensinar injetando um pouco de liberalismo puro e autêntico em contraponto à hegemônica resignação de que competiria às Autoridades Monetárias absorverem riscos intrinsicamente de mercado em seus balanços, em tempos de crise. Provavelmente Fredrich Hayek foi o maior expoente dentre os pensadores austríacos mas, por ora, vale observar dois ensinamento de Peter Drucker: (i) “O planejamento não diz respeito às decisões futuras, mas às implicações futuras de decisões presentes” e (ii) “não se pode gerenciar aquilo que não se pode mensurar”.

 

Não bastassem os desdobramentos desse fenômeno global, ainda temos muitas idiossincrasias domésticas que exacerbam o aumento da volatilidade nos mercados brasileiros. A política nacional segue conflagrada pela guerra de narrativas e contra narrativas. Neste sentido, o interesse aqui é extremamente bem definido e está delimitado à influência do cenário político no desenho do cenário econômico.

 

Uma vez mais, afinidades ideológicas com um ou outro grupo, assim como gostos pessoais, eventual simpatia por este(a) ou aquele(a) ou qualquer tipo de sentimento de foro íntimo são legítimos mas é função do analista distanciar-se de suas paixões no exercício de suas funções que, no contexto desta Carta, tem um único objetivo que é contribuir para que os Planos de Benefícios tenham rentabilidade compatível com o atendimento de suas obrigações ao longo do tempo.

 

Enfim, um subproduto da Covid-19 é o protagonismo dos governos no gerenciamento da crise e na reorganização das cadeias de produção. Porém, aqui no Brasil, o tom da discussão, com razoável frequência, tem ficado fora de diapasão. Assim, os processos, até agora, sempre encontram alguma solução antes de caminhar para algo mais traumático.

 

Por fim, os mercados financeiros ao longo dos últimos dias têm confirmado uma melhora na propensão a risco como mostram a valorização de diversas classes de ativos de risco. É importante destacar que, mesmo em meio à desafiadora realidade, o cenário que vem sendo proposto, permanentemente revisitado e ajustado, quando necessário orientou, por exemplo a retomada de processos de investimento que buscam diversificar o risco do portifólio e incrementar retornos esperados sob estrito controle de risco.

 

Voltando ao Drucker, é exatamente na minuciosa mensuração de erros e acertos e de suas implicações em termos de ganhos e perdas financeiras que reside a informação que subsidia a elaboração e revisão dos processos relativos a investimentos, desde a definição das Políticas de Investimento até a implementação das estratégias de gestão, observando sempre com rigor o cumprimento de todas as regras de procedimento. Com isso, mais do que almejar rentabilidade, busca-se consistência nos resultados.

 

Marcelo Castello Branco

Gerente de Investimentos

 

 

29/5/2020

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